
DESAFIOS E RESILIÊNCIA: A EXPERIÊNCIA DAS MULHERES NO COMÉRCIO INFORMAL NO MERCADO COMPONE.
Pesquisa realizada no Mercado Compone
Por Jossefina Langa
14min Leitura | Leia AQUI na íntegra.
O comércio informal é uma fundamental alternativa de ocupação, empregabilidade e uma estratégia de sobrevivência de muitas famílias excluídas pela falta de especialização, reduzido mercado de trabalho e políticas pouco claras de desenvolvimento.
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24 NOV 2025 - MAPUTO
Este sector de actividade surge como resposta às necessidades básicas decorrentes da crise económica agravada pela guerra civil de 16 anos que Moçambique enfrentou logo após a independência. No final dos anos 80, o país enfrentava uma profunda crise de abastecimento de bens de consumo, o que impulsionou o desenvolvimento de mercados paralelos e o aumento dos preços dos produtos essenciais, especialmente em Maputo.
Este facto leva a entender que houve um encolhimento do estado económico, combinado com um aumento populacional de até 50%, o que resultou em condições de vida significativamente piores. Problemas como desemprego, acesso limitado a educação, água potável, transporte e electricidade, juntamente com salários baixos, também forçaram muitas pessoas a recorrer aos mercados informais como única fonte de subsistência.
Desta forma, a emergência dos mercados informais está directamente ligada á vulnerabilidade socioeconómica. O sector informal cresceu significativamente, passando de 22, 8% do emprego total em 1987, para 50, 7% em 2016. Esse crescimento está relacionado ao aumento do desemprego e a escassez de oportunidades no sector formal.
As mulheres dominam o sector informal, a realidade tem demonstrado que a ideia de que o papel das mulheres se circunscreve as tarefas domésticas já está mais do que ultrapassada, elas figuram nas estatísticas oficiais de forma expressa como a população economicamente mais activa, que tanto na zona urbana como na rural. São elas que fomentam a economia e contribuem para o crescimento do país ainda que informalmente. Esta predominância das mulheres nesse sector de actividade também é uma realidade no mercado Compone, localizado ao longo da Avenida Vlademir Lenine, na cidade de Maputo, e neste artigo nos propomos a narrar um pouco daquilo que são as dinâmicas destas mulheres, suas contribuições na economia doméstica e desenvolvimento familiar, bem como os desafios que elas tem enfrentado neste sector de actividade.
CONTEXTO DO MERCADO COMPONE
O mercado compone é marcado por uma forte presença feminina, elas vendem verduras, legumes, roupas e sapatos do fardo, produtos de limpeza, carvão, lenha, bolos, pão, produtos de beleza e algumas têm estruturas mais elaboradas, como barracas, onde as vendedoras operam vendendo vários produtos alimentícios e bebidas alcoólicas.
Zilpa Filipe, de 42 anos de idade, mora no bairro das Mahotas com o seu marido e filhos, é vendedeira de verduras no mercado Compone é um exemplo de mulher que há 10 anos busca no sector informal o sustento da sua família. Ela acorda todos dias as 04 horas da manhã para ir a machamba obter as verduras para vender no mercado compone. Para transportar os seus produtos conta com o apoio de transportadores de mercadorias, nos carros de cabine simples, "caixa aberta", que cobram geralmente 50 há 100 meticais, dependendo da quantidade de mercadoria. Geralmente chega ao mercado as 07 horas da manhã, e as suas actividades de venda no mercado terminam as 17 horas.


Nas palavras dela:
Optei pelo comércio informal, pois vi como uma estratégia de gerar rendimentos e ajudar o meu marido com as despesas de casa. Antes de começar a fazer o meu negócio passava por várias dificuldades financeiras, visto que só o meu marido trabalhava e nós temos um filho doente que precisa de uma medicação que compramos mensalmente, a medicação é cara e o salário do meu marido não cobria todas as despesas básicas de casa.


Zilpa Filipe, 42. Vendedora no Mercado Compone.
Ela acorda todos dias as 04 horas da manhã para ir a machamba obter as verduras para vender no mercado compone. Para transportar os seus produtos conta com o apoio de transportadores de mercadorias, nos carros de cabine simples, "caixa aberta", que cobram geralmente 50 há 100 meticais, dependendo da quantidade de mercadoria.
Geralmente chega ao mercado as 07 horas da manhã, e as suas actividades de venda no mercado terminam as 17 horas. Além de verdura, ela vende frutas e legumes da época e vai ao mercado grossista do Zimpeto para obter os seus produtos em maior quantidade, pois não é possível conciliar ir a machamba e ao mercado grossista no mesmo dia. Os produtos que geralmente vende são, verduras (couve, alface e hortaliças) mandioca, batata doce e frutas (bananas, laranjas e mangas).
Além de vendedeira é dona de casa, terminadas as actividades vai para casa da mãe, buscar os seus filhos que ficam sob cuidados da mãe, quando ela vai ao mercado. Em casa ela faz as tarefas de casa, cozinha, faz limpezas e deixa tudo organizado para que não tenha muitos afazeres no dia seguinte, visto que sai às 04 horas da manhã de casa.
Ela tem um filho doente, e tem sido difícil para ela deixar o filho sob cuidados da mãe para ir vender, porque há dias que ela sai de casa vendo que o filho não está bem e, por vezes, volta mais cedo que o habitual para dar acompanhamento. Apesar dos desafios ela conta que é melhor estar no mercado em relação a estar em casa, pois, com os rendimentos das vendas consegue ajudar o marido nas despesas de casa e a comprar a medicação para o filho.
ENTRE DESAFIOS E TRIUNFOS
Apesar do crescimento, o sector informal enfrenta desafios como falta de infra-estruturas, acesso limitado a crédito, concorrência desleal (muitas vezes por parte dos vendedores informais que inviabilizam negócios que contribuem para a economia local e possuem bancas fixas). O governo tem implementado políticas para apoiar o sector, mas há ainda muito a ser feito. As entrevistadas reclamaram da existência de taxas pagas pelas vendedeiras, mesmo em um espaço que não é oficial para a venda, e consideram este facto uma irregularidade na gestão do mercado que não contribui para melhorar as condições de trabalho das vendedeiras.




Os polícias municipais afirmam que, vendo ao lado do mercado e não posso ter uma banca permanente, sendo assim a minha banca é desmontada todos dias e pago 30 meticais diários aos que prestam esses serviços.
Afirma Ana, 54.
Criar fundo para emergências no negócio, ainda que de forma não muito técnica ou científica, é prática entre as mulheres do mercado Compone e todas usam os mesmos métodos, ainda que de forma diferente: Poupança de grupo ou Xitique. Laura utiliza esses dois métodos e ela faz, para além da poupança de grupo, um xitique diário de 100 meticais e uma xitique de 1000 meticais mensal com um grupo de colegas. Nos momentos de aflição recorre às xitiques, poupanças de grupos semanais e já recorreu aos agiotas. Afirma que não tem boas recordações dos agiotas, pois quando levou o valor de 20 mil meticais para investir no seu negócio, não conseguiu pagar devido a fraca saída dos produtos adquiridos com o valor e os seus bens foram penhorados.
Laura diz sentir-se realizada por ver os filhos crescidos e estudados, e afirma que os seus maiores desafios no mercado são: a falta de financiamento e concorrência desleal entre as vendedeiras, porque, segundo ela:
“cada um é livre de determinar o preço do produto e algumas vendedeiras fixam preços muito mais baixos em relação as outras e essa acção por vezes lesa as vendedeiras ─Gostaria de obter um financiamento de modo a expandir o meu negócio e melhorar as minhas condições de trabalho.“ Acrescentou, Laura.
As vendedeiras informais enfrentam desafios frequentes, mas ainda assim encontram maneiras de melhorar suas vidas através do comércio informal. Para maioria delas, é a principal fonte de renda, permitindo que sustentem suas famílias e atendam as necessidades básicas de subsistência.
Disse Ana: ''os ganhos são muitos, quando comecei o negócio de venda de roupas do fardo não tinha casa, consegui construir e mobiliar a minha casa, paguei a escola dos meus filhos porque sou mãe solteira e hoje ajudo a sustentar os meus netos".
Disse ainda Zilpa, "ajudei o meu marido a construir e mobiliar a nossa casa, e a custear as despesas de casa e ainda consigo sustentar a minha mãe, ela é quem fica com os meus filhos quando venho vender".
"Consegui sustentar os meus filhos, e custear os seus estudos. Quando a minha filha perdeu a vida, fiquei com a minha neta e hoje em dia pago a escola dela" disse Laura, 61.
FINANCIAMENTO: UM SONHO DISTANTE
Em relação ao financiamento constatamos uma raridade de fontes oficiais (crédito bancário), pela inexistência de garantias necessárias. As vendedeiras informais sentem-se excluídas do sector bancário. Para reverter o cenário, o governo deveria criar condições para formalizar a actividade, o que pode permitir que suas receitas passem a ser contabilizadas e registadas para a capitalização nos cofres do estado.
Assim sendo as intervenientes do sector informal recorrem a outras fontes de obtenção de dinheiro para iniciar e expandir o seu negócio, como: contribuição monetária familiar, xitiques que é um sistema colectivo de adiamento regulares de montantes em dinheiro, que garantem aos que fazem parte do grupo dispôr, rotativamente, de somas mais avultadas para aquisições pontuais de mercadorias.
" Não temos acesso ao financiamento, como forma de poupança para a expansão do negócio fazemos xitiques diários, semanais e mensais. No caso queda do negócio recorremos ao valor do xitique para obter mercadoria" disse Zilpa.
Há uma relação existente entre o xitique e a estrutura socioeconómica na criação de redes de solidariedade e no contributo da economia dos grupos domésticos uma vez que os xitiques constituem uma estratégia dos membros em garantir ajuda em momentos de crise financeira em caso de mortes e doenças na construção de casas e compra de imóveis. E os investimentos são de natureza económica vão desde construção de casas, armazém até expansão crescente do negócio.
Foi-nos referido que no caso de queda do negócio, as vendedeiras têm a possibilidade de levar os produtos, vender, tirar o seu rendimento e reembolsar o valor definido pelo fornecedor do produto, conforme refere Zilpa: "Hoje não tinha o que vender, fui levar as verduras e no final do dia terei que tirar o meu rendimento e reembolsar o valor para o fornecedor do produto, é assim que consigo sobreviver".
Maria Sitoe, de 54 anos de idade mora no bairro Matendene, com o seu marido e tem duas filhas crescidas e casadas. O marido é é motorista particular. Começou a vender no mercado compone há 15 anos por influência da cunhada, pois na altura ela era vendedeira ambulante de maçã na baixa da cidade e o mercado veio como refúgio, porque o dia-a-dia dela nas ruas da cidade não era fácil, enfrentava o calor, chuva, frio e as constantes perseguições dos polícias municipais[…]
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No geral, conversar com as mulheres vendedeiras no mercado de Compone fez-nos perceber que as mulheres no comércio informal são conhecidas pela sua resiliência, diante dos desafios que enfrentam como, o acesso limitado ao financiamento, péssimas infra-estruturas, concorrência desleal, falta de políticas que as defendam e segurança no mercado, e a constante perseguição das autoridades municipais. A resiliência, capacidade de adaptação e reinvenção são as suas características principais, elas conseguem manter os seus negócios e contribuir significativamente para a sustentabilidade dos seus lares e o desenvolvimento da economia local e nacional, e contribuir para redução da pobreza. O empoderamento da mulher é uma das principais conquistas associadas ao comércio informal, ao se tornarem empreendedoras, as mulheres geram renda, ganham autonomia financeira, o que as permite sustentar as suas famílias e tomar decisões importantes em relação ao seu bem-estar e o da sua família. Com a implementação dos grupos de poupança, elas criam uma rede de solidariedade, onde compartilham conhecimento e recursos, fortalecendo o tecido social nas comunidades. As mulheres promovem a circulação de dinheiro, a criação de emprego para outros membros da comunidade, inovação e criatividade, desenvolvendo novos produtos e serviços que atendem as necessidades locais. Com o apoio e recursos adequados, e todas as necessidades atendidas, as mulheres podem continuar a trilhar os seus próprios caminhos e deixar pegadas de passos indelével na sua jornada para o seu desenvolvimento e desenvolvimento da economia do país.
Clique AQUI para ler o Atrigo completo e referenciado na íntegra.
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